O projeto de lei sobre a mesa da CBDD está sendo escrito pela caneta do deputado Paulo Teixeira (PT/SP). Ciente da dificuldade de aprovar qualquer texto ousado, ele busca terreno entre os deputados mais conservadores para avançar nos critérios de diferenciação entre usuário e traficante. E, principalmente, no que acontece a alguém flagrado com drogas para seu uso. “Precisamos mover passo a passo”, avalia o deputado, “e sentir a hora certa de avançar mais.” Pelo andar da carruagem, e pelos acirrados ânimos eleitorais, a votação deve ficar para 2011. Mas há uma chance de o consenso ser costurado ainda este ano.
Convidada para apresentar o livro Cannabis Policy na comissão, a condessa de Wemyss, Amanda Feilding, se decepciona: “Descriminalizar o uso não é o suficiente. Se o objetivo é reduzir a violência e tirar o poder dos cartéis, o Estado precisa regular e aceitar alguma alternativa para a produção e a compra legal dessas drogas. Sem isso, o jogo não muda”. O livro que Amanda veio oferecer aos políticos brasileiros é um aprofundado estudo que descreve a maconha não apenas como droga e seus respectivos efeitos a longo prazo no usuário, mas investiga a economia e sugere formas racionais de regular a mais popular de todas as drogas ilegais. Ela vai além, falando sobre o que concluiu ao longo de mais de 40 anos de militância por uma política mais sensível: “Os políticos não têm o conceito de uso de drogas. Para eles o uso é sempre abuso. Não existe sequer a ideia de que alguém pode passar a vida usando drogas e não ter grandes problemas sociais”.
O economista Peter Reuter, renomado especialista no mercado ilegal de drogas, é um dos autores do livro. Seus estudos estimam que 80% de todo o volume de drogas proibidas consumidas no mundo é a milenar cannabis. São dados acatados pela Comissão de Drogas e Crime das Nações Unidas, ela mesma, no papel, uma seguidora do mantra proibicionista. Isso significa cerca de 166 milhões de usuários de maconha no mundo, algo em torno de 4% da população mundial adulta. Todo o restante de drogas ilegais é utilizado por 1% dos adultos da Terra, algo em torno de 34 milhões de pessoas. Se a maconha e, apenas ela, fosse retirada da lista das substâncias caçadas pela polícia, todo o orçamento trilionário da guerra às drogas cairia por terra. “Não defendo o uso, pelo contrário, creio que deveríamos criar campanhas para desencorajar o uso da cannabis. Mas a atual abordagem me parece mais danosa à sociedade do que um mercado regulado e fiscalizado pelo Estado”, conclui Reuter, que afirma, em conversas privadas, nunca ter experimentado a erva.
“A atual abordagem me parece mais danosa à sociedade do que um mercado regulado e fiscalizado pelo estado”
California dream?
A conclusão do especialista é a de que não faz sentido um orçamento próximo de US$ 1 trilhão ao ano, e muito sangue, para reprimir um mercado que seria tão mais restrito se a maconha fosse tirada da conta. E, considerando o consumo de drogas muito mais nocivas como a heroína, o estudo que dá lastro ao Cannabis Policy também dá um diagnóstico diferente da mentalidade muito bem difundido da estrada sem volta das drogas...
Do 1% dos terráqueos que utilizam drogas mais pesadas e aditivas do que a maconha, apenas 10% desenvolvem grave dependência e problemas sociais. O que significa um número de 0,1% da população mundial que é viciada em drogas ilícitas e pode tornar-se um transtorno ou risco para as pessoas ao seu redor. É um número que poderia ser mais bem administrado (e reduzido) através de programas de educação e recuperação com verbas infinitamente menores do que o orçamento da guerra às drogas. Hoje, os demais 90% de usuários parecem passar a vida mantendo um uso controlado e sem graves consequências. Exceto uma: o dinheiro que gastam, e que sustenta uma podre rede criminosa no mundo.
Mas, a despeito dessa realidade, quando se fala de drogas nos órgãos internacionais, a maconha não entra na pauta. Nem o uso responsável. Nem os aspectos antropológicos, médicos, espirituais ou hedonistas da nossa relação com as drogas. Mas há um movimento contrário, dá para sentir, quando revistas tão mainstream como a Economist defendem na capa a legalização de todas as drogas. Ou quando países como Portugal, de onde FHC tirou grande parte de suas novas posturas, ignoram a convenção de 1971 e criam contextos legais para o uso e o cultivo de maconha com sensíveis resultados positivos, como a redução do tráfico nas fronteiras e sem um aumento significativo no número de usuários. Um movimento de realismo pode emergir quando a Califórnia votar, em novembro, uma proposta que pode legalizar a maconha no Estado mais rico dos EUA. O ativista pró-maconha medicinal da costa oeste americana, James Anthony, um dos representantes da campanha pelo “sim”, avalia: “Há dez anos um plebiscito como esse seria inviável. A maré está virando”. Se isso acontecer, especialistas concordam, um efeito cascata pode ocorrer – e soluções locais para regulamentar as drogas podem ocupar a pauta de parlamentos pelo mundo.
Só nos resta torcer por lucidez nos círculos do poder e, mais importante, nos informar. Exigir de nós mesmos e de quem discute conosco coerência e uma mente aberta para o assunto. Trazer a discussão para nossa rotina e tentar pensar as drogas mais profundamente. Não existe resposta fácil e, independente de que caminho o mundo vai seguir no pós-guerra, continuaremos vendo consequências do abuso de substâncias. Seguiremos nos entorpecendo para celebrar, para consolar, para pensar menos ou mais. E, sobretudo, para ver as coisas de uma forma diferente – exatamente o que é mais urgente em relação às drogas.
Produtos cannabicos ?
http://www.popipe.com.br/
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